Você flagra uma mensagem com teor sexual no celular do seu namorado, fica incomodada e resolve perguntar para ele o que está acontecendo. Ele prontamente responde que não sabe do que você está falando, diz que “isso só pode ser coisa da sua cabeça” ou que você “está louca” e, então, você sente culpa. Se você já viveu alguma situação parecida, então você já foi vítima de gaslighting.
Das formas mais cruéis até as mais veladas, a verdade é que o machismo é tão normalizado pela sociedade que, muitas vezes, ele chega a acontecer sem que a gente nem perceba. Pensando nisso, o movimento feminista ao redor do mundo viu a necessidade de denominar alguns comportamentos machistas do dia a dia usando termos em inglês – e, infelizmente, gaslighting é apenas um deles.
Mas o que é gaslighting?
O termo gaslighting originou-se do filme “Gaslight” (À meia-luz, em português) de 1944. Na trama, um marido tenta convencer a mulher e os amigos próximos de que ela está enlouquecendo. Para isso, ele faz pequenas manipulações no ambiente onde vivem – como fazer com que as lâmpadas acendessem e apagassem repetidamente – e, quando a esposa as nota, tudo o que ele faz é insistir que ela está errada.
Nos relacionamentos atuais, o piscar das lâmpadas é apenas uma metáfora, já que esse tipo de abuso continua acontecendo e sempre de maneira “sutil”. Justamente por isso é que não é exagero dizer que o gaslighting é uma das formas mais cruéis de abuso emocional, pois faz com que as mulheres duvidem da sua própria memória ou até mesmo da sua sanidade mental.
A prática do gaslighting coloca a vítima em dúvida sobre si mesma, sobre suas percepções ou até mesmo sobre algo que ela de fato viu ou presenciou e causa diversos danos emocionais. Essa manipulação acontece por basicamente uma razão: o abusador quer ser favorecido e, para isso, ele precisa fazer com que a vítima passe a questionar suas próprias ações, e não mais as dele.
E então, por que toda mulher deveria saber o que é gaslighting?
O termo gaslighting é utilizado desde 1960 para descrever a manipulação do sentido de realidade de alguém, mas ainda são poucas as pessoas que entendem o que há por trás dele. Denominar e entender o significado desse tipo de comportamento é importante porque permite que ele seja identificado com facilidade e, nesse caso, ainda é o “aval” que as mulheres precisam para entender que não, elas não estão enlouquecendo.
Vale lembrar que, justamente por acontecer de forma velada e gradual, é que esse tipo de violência psicológica nem sempre é percebido pela mulher, especialmente quando ela está em um novo relacionamento. Ao longo do tempo, porém, a tendência é que esse padrão abusivo aumente e se torne constante e, a vítima, que não entende que está sendo vítima de abuso, tende a mudar seu comportamento para agradar o parceiro.
Outra questão que agrava esse ciclo é o fato de abusadores serem mestres em alterarem seus próprios comportamentos, atacando e pedindo desculpas em questão de minutos, fazendo com que a vítima seja incapaz de perceber a gravidade das atitudes do parceiro, o que pode acabar levando a um tipo de esgotamento psicológico e também à falta de autoestima e amor-próprio.
Só quem já viveu essa violência “na pele” sabe o quanto ela deixa marcas e, infelizmente, em alguns casos, a mulher só percebe que está sendo vítima de abuso quando tudo chega a um nível mais grave. Conhecer o termo gaslighting e entender seu real significado também pode ser um passo para que a vítima perceba que algo nas situações que vive ao lado do parceiro está errado.
Uma mulher que tem conhecimento desses conceitos denominados pelo movimento feminista pode estar mais perto de reconhecê-los na prática. Sair de um relacionamento abusivo e de um ciclo violento como esse não é fácil, mas pode ser mais simples se a vítima confiar mais em seus próprios julgamentos, mesmo que ainda assim ela precise de validações externas – como a de amigos e parentes, por exemplo.
Se você acredita que está sendo vítima de gaslighting, não deixe de buscar ajuda de pessoas queridas e também ajuda profissional especializada para reconstruir a sua autoestima, porque confrontar um abusador sem ter uma fonte de apoio pode te levar a cair nas armadilhas e manipulações dele novamente. Também vale lembrar que, mesmo que haja amor na relação, esse tipo de atitude nunca deve ser tolerada.
Gaslighting é crime?
Embora o termo “gaslighting” não conste no Código Penal brasileiro, quem pratica esse abuso pode sim ser responsabilizado criminalmente, já que ele se enquadra como violência psicológica. De acordo com o artigo 147B do Código Penal, “Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e a autodeterminação” pode gerar uma pena de reclusão de seis meses a dois anos e multa.